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Lucas Resende Toso

Undergrave: misturando xadrez, roguelikes e Dark Souls

Atualizado: 10 de ago. de 2022

Antes de falar de Undergrave eu preciso contar quem é a Wired Dream Studios, ou seja, quem é Thiago Oliveira e como ele virou um solodev.


De um cansaço com a mesmice dos jogos AAA, Thiago começou a desenvolver jogos por passatempo, depois de ver que Dennis Wedin e Jonatan Söderström criaram Hotline Miami sozinhos no Gamemaker. E em 2020 a pandemia - e uma demissão - obrigou o maranhense de São Luís a adotar esse passatempo como profissão principal.

Foram dois anos dedicados a aprender pixel art e refinar suas habilidades enquanto desenvolvedor na mesma engine que culminaram no lançamento de seu primeiro jogo, Red Ronin, no começo do ano passado.

Repetindo um começo de parágrafo do meu texto sobre o assunto enquanto ainda estava no The Enemy: “Red Ronin com certeza foi uma das coisas que eu mais gostei de jogar em 2021” e todo o reconhecimento ainda é pouco para a mistura de quebra-cabeça por turnos com o Fruit Ninja humano de Beatriz Kiddo em Kill Bill, ou o que o desenvolvedor chama de “dash and slash”.


Agora em 2022, mais experiente e com três jogos no portfólio da Wired Dream (ou “estúdio de um homem só”), Thiago vai lançar Undergrave, roguelike por turnos com aspectos de RPG, descrito para leigos pelo dev como “um tabuleiro de xadrez com mecânicas de gerenciamento de stamina”. O novo projeto tem muita inspiração no jogo para mobile Hoplite, da Magma Fortress, e na dificuldade de controlar sua stamina, além do universo de dark fantasy, dos Souls-like da FromSoftware de Hidetaka Miyazaki.


"O Undergrave é uma volta as origens numa questão de mecânica. Eu não quero fazer Red Ronin 2 ou uma sequência ainda, não deu nem um ano de lançamento, então vamos esperar. Mas queria fazer um jogo nesse estilo", disse Thiago.

Thiago faz tudo praticamente sozinho. Programação, pixel art, marketing, publicação, ports para consoles. Seu único colaborador constante é Vincent Colavita, que assina a trilha dos quatro projetos feitos pelo estúdio até então.


Além de Red Ronin, que foi finalista do BIG Festival de 2021 na categoria Melhor Jogo Brasileiro com muito merecimento e também ganhou reviews e opiniões internacionais, como a do criador de Fights in Tights Spaces, James Parker, o Thiago também publicou Upaon: A Snake’s Journey e Raven’s Hike.


Upaon é uma mistura do famoso jogo da cobrinha com mecânicas de sokoban - aqueles jogos de arrastar objetos pra abrir os caminhos -, enquanto Raven’s Hike é uma aventura de extrema precisão, destreza e velocidade com um grappling hook (coisa que eu simplesmente não consigo ter) com uma parte artística muito influenciada por Dandara.

No ano passado, durante uma entrevista sobre Red Ronin, Thiago me disse que não sabia animar personagens andando ou correndo e que por isso encontrou na animação de dash a solução para seus problemas. E o que deveria ser uma “limitação” para o desenvolvedor na verdade se tornou um de seus maiores trunfos, fazendo o dev achar jeitos diferentes e criativos de utilizar essa mecânica e criando uma espécie de marca registrada para seus primeiros quatro jogos.


Depois dos dois longos primeiros anos até seu primeiro lançamento, o dev tem lutado para encontrar o equilíbrio entre o tamanho do escopo e o tempo de produção de seus jogos. Algo como “grande e interessante o suficiente para gerar um burburinho, mas não a ponto de esgotar todo o dinheiro que entra sem conseguir bancar seu próprio lançamento”. E Upaon e Raven’s Hike acabaram se tornaram experiências intermediárias, quase como sub-chefes de Undergrave, projeto que novamente tem um escopo parecido com o de Red Ronin.


E a Wired Dream vai seguir sendo um estúdio de um homem só por mais algum tempo. "O objetivo principal é atingir uma estabilidade de dinheiro entrando dos jogos lançados, porque é muita responsabilidade tu trazer uma pessoa pra depender do seu estúdio e aí tu tem um mês ruim e não consegue pagar o cara. Preciso estar muito seguro de dinheiro em caixa porque é arriscado, é uma aventura", contou Thiago.


Se criar jogos independentes já não é uma volta no parque, então criar tudo sozinho, em um ambiente com moeda desvalorizada, fora do eixo tradicional das desenvolvedoras brasileiras, sem um patrocinador ou política de incentivos e dependendo desses jogos para pagar as contas e poder continuar tentando seguir nesse trabalho deve ser uma corrida inteira num parque pegando fogo. E Thiago vem conseguindo terminar essa corrida.



O jogo vai ganhar uma demo no festival de demos da Steam a partir do dia 21 de fevereiro. Eu pude experimentar a primeira build do jogo um pouco antes e você pode conferir o que eu achei de Undergrave aqui embaixo.

Undergrave é muito mais punitivo que seus primos mais velhos. Enquanto em Red Ronin e Raven’s Hike a progressão é constante e fase a fase, ambos com ritmos frenéticos e mais focados em execução, o novo jogo de Thiago exige mais planejamento e cálculo.


Como um bom roguelike, em Undergrave a morte não significa o fim, mas sim um recomeço. Para os jogadores não acostumados ao gênero, o jogo pode parecer punitivo por não apresentar melhorias permanentes ou checkpoints, mas para o fã assíduo dos roguelikes, Undergrave será um excelente desafio.


O foco, segundo o próprio Thiago, é aprender a combinar as mecânicas e achar a melhor solução para derrotar os inimigos de cada fase. São oito pontos de stamina, sendo que arremessar a espada gasta dois pontos, um dash simples gasta três e o pulo, quatro. Andar livremente no cenário recupera um ponto por turno, então você também precisa saber fugir nos momentos certos para preparar a melhor sequência de ataques possível.

Sem melhorias permanentes, o que Undergrave oferece são habilidades liberadas após alguns níveis, abrindo um leque de novas combinações e estratégias. Como por exemplo a “espada magnética”, que faz o personagem recuperar sua arma com mais facilidade depois de jogá-la, ajudando na recuperação e no gasto de stamina; ou o “pulo com dano” combinado com o “pulo mais longo”, transformando o protagonista num pula pula fatiador de mortos-vivos. A demo contou com dez melhorias possíveis, enquanto o jogo final deve ter em torno do dobro de opções.


Saindo do estilo de arte cyberpunk e passando pelo cartunesco e o “Dandara-like”, Undergrave é o melhor trabalho de pixel art de Thiago, com animações de batalha fluídas e muita inspiração em fantasias sujas e monstruosas. O design de fases procedural também é ótimo, com níveis apertados e que dão aquela sensação de claustrofobia, principalmente quando cinco inimigos estão vindo pra cima e você não tem mais pra onde correr.

Conhecer suas habilidades e calcular bem seus movimentos para fatiar os inimigos. Enquanto Red Ronin também tinha essas características, mas parecia mais uma dança a ser executada com perfeição, Undergrave será um grande jogo de xadrez. Preparar o terreno e encontrar movimentos que em sequência o levarão ao xeque-mate vai ser o grande eixo central do jogo e se você acabar se afobando, como eu me afobei na demo, as coisas vão ficar bem mais complicadas de se resolver.

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